Doente, género masculino, 62 anos, trabalhador da construção civil, recorreu ao Serviço de Urgência por coxalgia intensa à esquerda, sobretudo no período noturno, com 6 meses de evolução e múltiplas idas a vários serviços de urgência. Concomitantemente, o doente referia anorexia, perda ponderal que não sabia quantificar e diminuição da capacidade de marcha nas 2 semanas anteriores. Antecedentes de stripping da veia safena interna por trombose extensa, hiperplasia benigna da próstata e pólipos intestinais. Medicado com hidromorfona, tizanidina e metamizol em SOS.
Ao exame objetivo, apresentava-se apirético, hemodinamicamente estável, exame cardiovascular e pulmonar sem alterações. Abdómen mole e depressível, indolor à palpação, sem massas ou organomegalias palpáveis. Sem edemas periféricos. Dor à mobilidade ativa e passiva dos membros inferiores, sobretudo à esquerda. Sem adenopatias palpáveis nas cadeias cervicais, axilares, epitrocleares, havendo uma adenopatia 1x1 cm, móvel, não dolorosa na cadeia inguinal superficial esquerda.
Analiticamente, destaca-se anemia normocitica normocrómica com Hb 11,8 g/dL (VGM 91 fl, HGM 30,7 pg), LDH 1054 U/L e VS 72 mm/1h, com função renal, ionograma e calcémia sem alterações. Trazia resultado de tomografia da coluna dorsolombosagrada com sinais de artrose sacroiliaca bilateralmente, com desmineralização irregular marcada do ilíaco esquerdo e componente lesional tecidular intrarticular infiltrativa expansiva com perda dos planos musculoadiposos.
Realizou tomografia computorizada (TC) toraco-abdomino-pélvica que mostrou lesão osteolítica na asa ilíaca esquerda com massa de tecidos moles adjacente, pelo que, foi realizada biópsia guiada por TC que revelou a Linfoma B difuso de grandes células (LBDCG), subtipo não centro germinativo (segundo algoritmo de Hans).
O linfoma primário do osso é relativamente raro, correspondendo a 3-7% das patologias neoplásicas do osso1 e a 1-2% dos linfomas.2 A maioria dos linfomas ósseos surgem com uma maior incidência no sexo masculino, geralmente na 5-6ª décadas de vida e correspondem na sua maioria a linfomas de células B.3
A coxalgia é um sintoma relativamente frequente na prática de um internista, condicionando uma importante limitação funcional no quotidiano do doente. A coxartrose é um dos principais diagnósticos diferenciais. No entanto, neste caso, o doente apresentava importantes queixas álgicas, com sintomatologia constitucional de inicio recente e múltiplas idas ao Serviço de Urgência, pelo que, os exames imagiológicos vieram a revelar-se essenciais para descartar a etiologia osteoarticular degenerativa e para demonstrar o envolvimento do osso ilíaco por linfoma.
Os autores gostariam de agradecer à Doutora Maria Amélia Pereira, diretora do Serviço de Medicina Interna do Hospital Distrital da Figueira da Foz, pelo apoio e incentivo demonstrados.
Figura I

Corte transversal de tomografia computorizada toraco-abdomino-pélvica mostrando lesão osteolítica centrada na asa ilíaca esquerda com volumosa massa de tecidos moles, assim como, adenopatias lomboaórticas, ilíacas e inguinais à esquerda com critérios de malignidade. Não foram objetivados nódulos ou densificações parenquimatosas pulmonares que sugiram envolvimento por doença neoplásica ou inflamatória em actividade. Gânglios mediastínicos sem critérios de malignidade e baço com morfologia globosa e dimensões no limite superior da normalidade.
Figura II

Corte longitudinal de tomografia computorizada toraco-abdomino-pélvica mostrando lesão osteolítica na asa ilíaca esquerda com volumosa massa de tecidos moles
BIBLIOGRAFIA
1- Bindal P, Desai A, Delasos L, Mulay S, Vredenburgh J. Primary bone lymphoma: a case séries and review of literature. Case Rep Hematology. 2020; 2020:4254803
2- P.Kitsoulis, M. Vlychou, A. Papoudou-Bai et al. Primary lymphomas of bone. Anticancer Research, vol.26,1: 325-337, 2006
3 - Longo, I. et al. Harrison’s Principles of Internal Medicine, 20th Edition. United States: Mc Graw-Hill Education. 2018