INTRODUÇÃO
O carcinoma pseudomesoteliomatoso é uma entidade rara que representa uma neoplasia pulmonar com características radiológicas semelhantes ao mesotelioma maligno pulmonar (MMP), mas características histológicas e imunocitoquímicas compatíveis com carcinoma primário de outras origens. Descrito pela primeira vez em 1976 por Hardwoodet al, caracteriza-se por uma proliferação secundária difusa pela pleura, podendo cursar com massas pleurais e progressão para encarceramento da cavidade torácica tipicamente de forma unilateral.1 O contexto clínico/imagiológico e a histopatologia/perfil imunocitoquímico são essenciais para o diagnóstico.2 Em cerca de 70% dos casos, advém de adenocarcinomas pulmonares periféricos ocultos e mais raramente, carcinoma epidermóide, carcinossarcoma ou carcinoma de pequenas células do pulmão.2-4 Para além de tumores primários do pulmão, também estão descritos casos de metastização de carcinoma da tiróide, rim, laringe e estômago.
DESCRIÇÃO DO CASO
Homem caucasiano de 56 anos, com autonomia nível 2 da Escala Funcional da ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group). Antecedentes pessoais relevantes de tuberculose pulmonar tratada, tabagismo ativo (90 UMA) e doença pulmonar obstrutiva crónica em estadio IIIB da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). Recorreu ao serviço de urgência por quadro de dispneia em agravamento ao longo de sete meses, associada a dor pleurítica esquerda (7/10). Confirmava-se perda ponderal de 21% do peso corporal em dois meses.
À admissão apresentava dismorfismo torácico com aparente diminuição do volume do hemitórax esquerdo (Fig. 1). À auscultação pulmonar destacava-se ausência de murmúrio vesicular à esquerda. Do restante exame objetivo salientava-se lesão nodular eritematosa dolorosa de limites mal definidos na hemiface direita, que o doente reportava ter mais de um mês de evolução (Fig. 2). Do estudo realizado apresentava elevação de parâmetros inflamatórios (proteína C reactiva de 176,4 mg/L) e anemia normocrómica normocítica (Hb: 9,4 g/dL). A tomografia computorizada torácica mostrava espessamento pleural difuso (1,2 cm) com volumosa coleção pleural encistada nos dois terços inferiores do hemitórax esquerdo determinando atelectasia completa do respetivo pulmão, de aspeto heterogéneo. Observava-se hiperexpansão compensatória do pulmão direito (Fig. 3). Foi realizada toracocentese diagnóstica com saída de líquido pleural turvo alaranjado com critérios de exsudato, lactato desidrogenase elevada (2527 U/L) e hipercelularidade (175 células nucleadas/uL). Os exames culturais para bactérias e micobactérias foram negativos. A citologia do líquido pleural não foi conclusiva. Foi submetido a broncoscopia com realização de biópsia endobrônquica que revelou carcinoma epidermóide (p63 positivo; TTF1 negativo; PDL-1 positivo em 1-5%) e biópsia de lesão cutânea que confirmou ser uma metástase de carcinoma epidermóide (Fig. 4). Tratava-se assim de um caso de carcinoma epidermóide do pulmão estadio IV, com apresentação como carcinoma pseudomesoteliomatoso e com metastização cutânea.
O controlo sintomático foi difícil e por persistência de toracalgia esquerda, foi decidida colocação de dreno torácico, o qual foi mantido em aspiração contínua durante 6 dias, sem re-expansão pulmonar, mas com alívio sintomático. Foi decidido iniciar quimioterapia paliativa com gemcitabina em monoterapia, em detrimento de dupleto baseado em platino, da qual apenas foi possível completar um ciclo pela rápida degradação do estado geral do doente. Teve progressão da doença pulmonar e aparecimento de duas novas lesões metastáticas no couro cabeludo. O doente apresentou leucocitose ligeira flutuante desde o diagnóstico, e desenvolveu uma reação leucemóide cerca de dois meses após a alta (45 810/uL com 42 000/uL neutrófilos, sem alterações morfológicas no esfregaço de sangue periférico). Foi excluído quadro infecioso. Em termos de iatrogenia, estava sob 10 mg/dia de prednisolona na altura, que após escalada para 18 mg/dia de dexametasona não influenciou qualquer alteração na contagem e linfócitos ou neutrófilos. Concluiu-se ser uma reação leucemóide em contexto de síndrome paraneoplásica. Faleceu 12 dias após, com uma sobrevida total de três meses após diagnóstico.
DISCUSSÃO
O carcinoma epidermóide do pulmão é o mais frequente subtipo histológico dos carcinomas de não pequenas células (NSCLC). O seu diagnóstico em nada representa um evento raro. No caso relatado, é a forma de apresentação que acaba por expôr três manifestações da neoplasia raramente reportadas.
Em primeiro lugar, descreve-se uma apresentação inaugural característica de carcinoma pseudomesoteliomatoso: um espessamento pleural difuso com invasão da parede torácica, associado a derrame pleural maligno e encarceramento da cavidade torácica. Estas características radiológicas levantaram inicialmente a suspeita de mesotelioma maligno posteriormente excluído na biópsia endobrônquica. O termo “carcinoma pseudomesoteliomatoso” designa um conjunto heterogéneo de tumores com apresentação clínica e radiológica semelhante ao MMP, mas com diagnóstico de carcinoma extra-pleural.1Esta entidade está reportada em cerca de 6% de todos os carcinomas da pleura, sendo que o carcinoma epidermóide é dos mais raramente associados, segundo uma análise de 53 casos, por Attanoos et al.4Katgi et alrealizaram uma revisão da literatura onde reportam apenas 7 casos a nível mundial de carcinoma pseudomesoteliomatoso de origem em carcinoma epidermóide do pulmão.5
O perfil imunocitoquímico das células neoplásicas desempenha um papel fundamental no diagnóstico diferencial com implicações na decisão terapêutica. Os MMP são imunorreativos para vimentina e calretinina, enquanto que o carcinoma epidermóide é positivo para p63. Neste caso, a morfologia celular e a positividade para p63 na biópsia brônquica confirmou o diagnóstico. O tratamento deve ser dirigido à neoplasia primária subjacente, sendo a apresentação sob esta forma um fator de mau prognóstico.
Em segundo lugar, reportamos a apresentação com uma lesão de metastização cutânea. A pele é um local infrequente de metastização de neoplasias do pulmão, com incidência reportada em 1-3% em algumas séries.6-8 Dos subtipos histológicos, o carcinoma epidermóide é o que mais raramente cursa com metástases cutâneas dentro dos NSCLC.6,7 Esta metastização acarreta um prognóstico reservado com sobrevida média descrita em até quatro meses.7No nosso caso a sobrevida global foi de três meses.
Em terceiro lugar, descrevemos uma reação leucemóide paraneoplásica. A reação leucemóide paraneoplásica é definida como uma contagem de leucócitos >40 000 - 50 000células/uL e neutrofilia severa (>40 000 células/uL), após exclusão de leucemia, infeção ou iatrogenia farmacológica9,10Granger et al mostraram que numa amostra de 578 casos de tumores sólidos, com leucocitose extrema associada, cerca de 10% eram reações leucemóides paraneoplásicas. Em 5 (6%) destes o tumor primário era NSCLC.11A sobrevida reportada na literatura para esta reação associada a neoplasia do pulmão está entre 2 semanas a 1 ano.12, 13
O nosso caso relata uma reação leucemóide na fase terminal de um carcinoma epidermóide do pulmão, com 12 dias de sobrevida.
CONCLUSÃO
O presente caso descreve uma forma rara de apresentação do carcinoma epidermóide pulmonar como carcinoma pseudomesoteliomatoso. Esta é uma entidade nosológica rara, com menos de 200 casos descritos na literatura. Pretendemos realçar a importância de um diagnóstico histológico preciso para uma correta decisão terapêutica.
Salientamos ainda a importância da não negligência da metastização cutânea em casos de neoplasia pulmonar, bem como a possibilidade de ocorrência de reação leucemóide paraneoplásica, e o mau prognóstico acarretado por ambas.
Figura I

Dismorfia torácica
Figura II

Aspeto macroscópico da metástase cutânea
Figura III

Tomografia computorizada torácica. A – Cortes em plano coronal, com progressão posterior > anterior, da esquerda para a direita, respetivamente; evidente espessamento pleural com encarceramento da cavidade torácica, heterogeneidade do parênquima pulmonar atelectasiado na parte superior e volumoso derrame pleural. B – Cortes no plano transversal, com progressão cranial > caudal, da esquerda para a direita, respetivamente; espessamento pleural circunferencial com envolvimento da grade costal.
Figura IV

Histologia da biópsia brônquica com infiltração por carcinoma epidermóide
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