Mulher, 79 anos, natural de Cabo Verde, residente em Portugal há anos. Negava antecedentes pessoais relevantes, toma de medicação, hábitos tabágicos ou etílicos. Vivia numa quinta com animais e referia consumir carne mal cozinhada.
Referia quadro de 6 meses de evolução de cefaleia, tendo recorrido ao serviço de urgência (SU) por prostração, mantendo a cefaleia. Negava síncope, febre, náuseas, vómitos, traumatismo craniano, alterações da força muscular, sensibilidade ou movimentos involuntários. No SU apresentou crise convulsiva tónico-clónica generalizada e autolimitada. Sem outras alterações à observação. Não apresentava alterações analíticas, nomeadamente elevação dos parâmetros inflamatórios, alterações metabólicas ou electrolíticas. Realizou tomografia computorizada crânio-encefálica (Fig. 1) que revelou área hiperdensa associada a áreas adjacentes com densidade similar ao líquido céfalo-raquidiano em localização parietal interna direita.Realizou ressonância magnética crânio-encefálica (RM-CE) em que se observou lesão única intra-axial parietal posterior direita cujas características favorecem a etiologia infecciosa, mais provavelmente parasitária, eventualmente neurocisticercose (Fig. 2). Adicionalmente apresentou Serologia (IgG) paraTaenia soliumpositiva. Por apresentar critérios de diagnóstico imagiológicos, serológicos e epidemiológicos1 foi assumido o diagnóstico de Neurocisticercose. Com apenas 1 quisto com previsível boa resposta a anti-parasitário e não se verificando hidrocefalia, encefalite ou cisticercose disseminada,2 iniciou terapêutica com albendazol 15 mg/kg/dia durante 14 dias e prednisolona 1mg/kg/dia, dada ausência de contra-indicações (ausência de evidência de tuberculose latente, pesquisa deStrongyloides stercoralisnegativa e exame oftalmológico sem alterações/parasitas). Não apresentou recorrência de convulsões e a RM-CE de controlo evidenciava redução importante do volume da lesão quística, do edema vasogénico marginal associado, bem como dos sinais de efeito de massa.
Esta imagem relembra-nos de uma causa incomum e tratável de convulsão pelo que um episódio inaugural deve sempre ser investigado,3 não esquecendo a epidemiologia. A transmissão é fecal-oral, o diagnóstico de Neurocistocercose baseia-se na clínica, imagiologia e serologia e devem ser tratadas apenas lesões viáveis.4
Figura I

Corte transversal de tomografia computorizada crânio encefálica a evidenciar em localização parietal interna direita, área hipodensa associada a áreas adjacentes com densidade similar ao líquido céfalo-raquidiano e discreta hipodensidade envolvente.
Figura II

Ressonância magnética crânio-encefálica (esquerda em que se observa lesão ocupando espaço intra-axial, multivesicular, em localização cortico-subcortical parietal alta parassagital à direita, medindo 28.5x24x26.5mm de maiores eixos nos planos sagital vs crânio-caudal vs transversal, de tipo quístico não puro. Em volta é possível observar edema vasogénico, determinando apagamento dos sulcos corticais. À esquerda, possível imagem scolex-like (porção anterior do parasita).
BIBLIOGRAFIA
1. Del Brutto O.H., Nash T.E., White Jr. A.C., Rajshekhar V., Wilkins P.P., Singh G.et al. Revised diagnostic criteria for neurocysticercosis. Journal of the Neurological Sciences 372 (2017) 202–10
2. White Jr A.C., Coyle C.M., Rajshekhar V., Singh G., Hauser W.A., Mohanty A.et al. Diagnosis and Treatment of Neurocysticercosis: 2017 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America (IDSA) and the American Society of Tropical Medicine and Hygiene (ASTMH). 2017 IDSA/ASTMH Guidelines; CID 2018:66.
3. Gavval J.; Schuele S. New-onset seizure in adults and adolescents, JAMA Vol.316 Nr 24, 2016
4. Garcia H., Nash T.E., Del Brutto O.H. Clinical symptoms, diagnosis, and treatment of neurocysticercosis. Lancet Neurol 2014; 13: 1202–15