Introdução
Os linfomas são tumores malignos que resultam da proliferação das células linfoides.¹ O envolvimento renal por linfoma não-Hodgkin é frequente nos estadios avançados da doença.¹ No entanto, a lesão primária renal é rara, representando menos de 1% dos tumores que atingem este órgão.2,3
Define-se o linfoma renal primário como o linfoma não Hodgkin que envolve o rim na ausência de doença linfática extrarenal, sendo o tipo histológico mais frequente o linfoma difuso de grandes células.1,4
Ocorre frequentemente em adultos, acima dos 60 anos, e com ligeira predominância no sexo masculino.5
O linfoma primário renal manifesta-se usualmente como dor no flanco, presente em 62% dos doentes, presença de uma massa abdominal, perda ponderal e hematúria macroscópica.4,6
Quando o envolvimento renal é bilateral é frequente o surgimento de proteinuria, síndrome nefrótica ou insuficiência renal rapidamente progressiva.¹ No entanto, o envolvimento renal bilateral é mais frequente em idade pediátrica e nos adultos surge apenas em 10 a 20% dos casos.4,6
A etiologia é desconhecida uma vez que o parênquima renal não apresenta tecido linfático.5 Como mecanismos patogénicos propostos surgem os processos inflamatórios crónicos com recrutamento de células linfóides, assim como a invasão do parênquima renal a partir dos gânglios linfáticos da cápsula e do tecido linfático subcapsular.4 O linfoma primário renal surge associado a processos inflamatórios e infeciosos crónicos, nomeadamente à pielonefrite crónica, à síndrome de Sjögren, ao lúpus eritematoso sistémico e à infeção por vírus Epstein-Barr.7
Os estudos de imagem podem sugerir o diagnóstico.7 O uso de angio TC (tomografia computorizada) e angio RM (ressonância magnética) aumentam a especificidade diagnóstica em comparação com a ecografia abdominal. .8 A PET-CT FDG (tomografia por emissão de positrões com tomografia computorizada com fluorodesoxiglicose) pode ser útil na distinção do tipo de massa renal (através da captação de FDG) e na avaliação de envolvimento extrarenal.7,8
No entanto é a biópsia renal guiada por exame de imagem que permite o diagnóstico histológico, apresentando uma sensibilidade de 70% a 92% e uma especificidade de quase 100%.2,6
Foram estabelecidos critérios diagnósticos que incluem a ausência de envolvimento extrarenal, a confirmação histológica e a realização de esfregaço de sangue periférico, de mielograma e de biopsia óssea de características normais.5
A quimioterapia sistémica apresenta-se como o tratamento de primeira linha.¹ É usado o protocolo CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisolona) associado ao Rituximab se no estudo imunohistoquímico as células neoplásicas forem imunorreactivas para CD20, o que acontece em 95% dos Linfoma não Hodgkin de células B.9,10 A radioterapia e a cirurgia devem ser associadas nos doentes mais novos e com envolvimento renal bilateral.4 A associação da quimioterapia com a cirurgia resulta num tempo de sobrevivência superior à quimioterapia isolada.4
No entanto, o linfoma primário do rim tem mau prognóstico e uma rápida disseminação extrarenal resultando numa taxa de mortalidade a um ano de 75%.¹
Caso Clínico
Homem de 72 anos, internado por dispneia e cansaço fácil no contexto de doença renal crónica agudizada com necessidade de indução dialítica por sobrecarga hídrica.
História pregressa de hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, doença renal crónica KDOGI 4, anemia de doença crónica e hiperplasia benigna da próstata.
Durante o internamento hospitalar realizou ecografia renal para esclarecimento da etiologia da agudização da doença renal crónica que mostrou “uma formação alongada heterogénea com 6,1x5cm de maiores eixos, adjacente à vertente lateral do rim direito de natureza inespecífica”. Para melhor caracterização desta lesão foi realizada tomografia computorizada abominopélvica que evidenciou a existência de “uma lesão exofítica com ponto de partida no rim direito (6,5cmx2,5cmx8cm de maiores eixos), em topografia postero-inferior. Ligeiro crescimento dimensional pela comparação com exame de 2013. Coloca-se a hipótese de tumor fibroso solitário, a justificar confirmação histológica.” (Fig.1).
Posteriormente foi efectuada a biópsia renal com controlo por TC que decorreu sem registo de intercorrências. O resultado histológico mostrou “uma proliferação linfóide difusa de células pequenas, nalgumas células há escassa orla citoplasmática; no estudo imunohistoquímico realizado as células neoplásicas são inunorreativas para CD20, bcl-2, fracamente para CD21 e são negativas para CD5, ciclina D1, CD23, CD43, CD10 e bcl-6” compatível com “Linfoma não Hodgkin de pequenas células B (CD20+), que poderá corresponder a linfoma marginal.“
Foi prosseguido o estudo da neoplasia renal realizando TC toracoabdominopélvica de estadiamento que excluiu envolvimento extrarenal, um mielograma com “medula óssea normocelular, sem alterações significativas” e uma biópsia óssea sem” infiltração por linfoma”.
Verificados os critérios diagnósticos estabeleceu-se o diagnóstico de linfoma primário do rim.
Visto tratar-se de um doente sem condições clínicas para iniciar tratamento de quimioterapia com R-CHOP e se encontrar sob técnica de substituição renal, foi submetido a nefrectomia radical direita com resolução do quadro clínico.
Conclusão
O linfoma primário do rim é uma neoplasia rara correspondendo a 0,7% das neoplasias renais. 4
Manifesta-se essencialmente pela presença de dor no flanco ou dor abdominal, proteinuria ou lesão renal aguda rapidamente progressiva.1,4,6 No nosso caso, o doente manteve-se sempre assintomático, surgindo a suspeita da neoplasia após realização de um exame de imagem. A tomografia computorizada mostrou uma massa solitária de dimensões consideráveis que é o modo de apresentação imagiológico em apenas 10-20% dos casos.
Os Linfomas não Hodgkin constituem a maioria dos linfomas primários do rim, essencialmente os linfomas de células B, sendo o subtipo mais prevalente o linfoma difuso de grandes células B.11 O linfoma marginal, mais indolente, está associado a um bom prognóstico com taxas de sobrevivência a 1 e 5 anos de 94% e 87%, respetivamente. 11Em relação aos achados histopatológicos mais frequentes observam-se a completa ou extensa obliteração do parênquima; a presença de infiltrado denso composto por células linfocíticas pequenas, células fusiformes e células com aumento do tamanho do núcleo; positividade para os antigénios da linhagem de células B na imunohistoquímica (CD20, CD79, PAX5); a elevada taxa de proliferação (Ki >40% se linfoma difuso de grandes células B; expressão variável de outros marcadores imunohistoquímicos para definição da célula de origem (CD10, bcl6, MUM1) ou identificação de linfoma de alto grau (c-myc e bcl2). 12
No caso clínico apresentado após a conclusão da marcha diagnóstica estabeleceu-se o diagnóstico de linfoma primário do rim, do tipo histológico Linfoma não Hodgkin de pequenas células B (CD20+), que poderá corresponder a Linfoma da zona marginal. Este diagnóstico histológico explica o curso indolente da doença já presente em exame de imagem três anos antes.
Apesar da quimioterapia com protocolo R-CHOP ser o tratamento de primeira linha, no caso do nosso doente em hemodiálise optou-se pela realização de nefrectomia total direita com resolução do quadro clínico.
O doente manteve seguimento em consulta de Hematologia até 2019, três anos após o diagnóstico, sem aparente recidiva da doença. Acabou por falecer em dezembro de 2019, desconhecendo-se a causa de morte.
Figura I

Imagem de TC abdominopélvica evidenciando uma massa renal direita (seta)
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