Mulher de 59 anos, com história clínica de amaurose bilateral por retinite pigmentar, síndrome depressivo e cefaleias de tensão. Medicada com alprazolam, clomipramina e ácido fólico. Recorreu ao serviço de urgência (SU) por quadro de dor abdominal difusa, distensão abdominal e obstipação com 1 dia de evolução.Teria realizado terapêutica analgésica no domicílio com metamizol oral, não tendo feito outra terapêutica por via oral durante a estadia no SU. Realizou Tomografia Computorizada (TC) abdominal que demonstrou distensão gástrica e das ansas jejunais. Neste exame destacava-se a presença de corpo estranho ovalado no duodeno. Foi observada pela Cirurgia Geral e Gastroenterologia e assumiu-se atitude conservadora com dieta zero, antibioterapia e terapêutica com procinéticos, sendo transferida para o serviço de Medicina, com melhoria do quadro. À reintrodução da dieta oral houve novamente agravamento do quadro clínico com distensão abdominal, náuseas e vómitos. Realizou radiografia do abdómen em pé em que se evidenciou distensão das ansas do intestino delgado, com níveis hidroaéreos e presença de múltiplos corpos estranhos radiopacos, ovalados, compatíveis com cápsulas. Repetiu TC abdómen onde se evidenciou novamente presença desses mesmos corpos estranhos no lúmen intestinal das ansas jejunais que se assumiram ser comprimidos não digeridos pelo quadro oclusivo, provavelmente analgésicos ingeridos no início do quadro clínico. Foi proposta para laparotomia exploratória onde se constataram bridas, provavelmente sequelares a quadro inflamatório prévio dado não existir história de cirurgia abdominal ou achados clínicos que indicassem intervenção cirúrgica anterior (nomeadamente cicatrizes), que condicionavam oclusão do intestino delgado. Realizou-se lise de bridas com melhoria do quadro. A radiopacidade da medicação oral é conhecida e frequente em medicamentos contendo ferro, hidrato cloral, carbonato de cálcio e compostos iodados. Alguns antihistamínicos, fenotiazinas e antidepressivos tricíclicos também podem ser radiopacos1. A radiopacidade dos fármacos varia com a metodologia de produção dos mesmo, com as várias substâncias inactivas presentes nas diferentes formulações2, assim como com as características do doente, nomeadamente com a estatura e massa corporal e com o próprio posicionamento dos comprimidos no tracto digestivo, tornando-se estes mais radiopacos quando agrupados.1 Apesar da doente estar medicada com clomipramina, a forma e dimensão deste comprimido não é compatível com as imagens observadas, pelo que se coloca a hipótese de se tratar de analgésicos, neste caso do metamizol. Apesar desta classe farmacológica não constar como classicamente radiopaca na literatura, as características da doente, a diminuição da motilidade intestinal, o posicionamento das cápsulas no tracto intestinal e as substâncias inactivas presentes na composição do comprimido poderão ter contribuído para uma maior expressão da sua radiopacidade.
Figura I

Radiografia de abdómen em pé
Figura II

TAC abdómen
BIBLIOGRAFIA
1. SAVITT L Daniel, HAWKINS Harold, ROBERTS James, The radiopacity of ingested medications, Annals of Emergency Medicine, 1987, P331-9.
2. YC Chan, FL Lau, JCS Chan et al., A study of drug radiopacity by plain radiography, Hong Kong Journal of Emergency Medicine, Vol. 11(4) , Oct 2004.ng Journal of Emergency Medicine, Vol. 11(4) , Oct 2004.