INTRODUÇÃO
A associação de disfagia pós-cricoide, membrana esofágica e anemia por deficiência de ferro é conhecida como síndrome de Plummer-Vinson (SPV) ou Paterson-Kelly. É uma doença extremamente rara que ocorre, maioritariamente, em indivíduos caucasianos e do sexo feminino. A idade de diagnóstico encontra-se entre os 40 e 70 anos, mas também está descrita em crianças e adolescentes.1, 2
A patogénese da síndrome é desconhecida mas sugerem-se mecanismos multifactoriais, nomeadamente os défices nutricionais, sobretudo défice de ferro, predisposição genética e fatores autoimunes. 2, 4, 5
Existem relatos que implicam a deficiência de ferro, tanto na formação das membranas esofágicas como na disfagia em indivíduos predispostos. A depleção de enzimas oxidativas dependentes de ferro pode produzir alterações miasténicas nos músculos envolvidos no mecanismo de deglutição, atrofia da mucosa esofágica e formação de redes como complicações epiteliais.6 A resolução da disfagia após suplementação com ferro corrobora com a possível associação entre a deficiência do ferro e a disfagia pós-criocoide. Contudo, esta teoria não explica porquê a predileção por membranas no esófago superior nem a baixa incidência da síndrome em populações nas quais a deficiência do ferro é crónica e endémica, como na África Oriental e Central. 4
Estão descritos casos de SPV associada a patologias auto-imunes, nomeadamente com artrite reumatoide, anemia perniciosa, doença celiaca e tiroidite, sugerindo mecanismo auto-imune.6
O exame inicial para a disfagia orofaríngea é a videofluoroscopia (ou deglutição de bário). O seguinte meio de diagnóstico importante a ser considerado é a endoscopia digestiva alta (EDA). Este procedimento tem a vantagem de oferecer medidas diagnósticas e terapêuticas ao mesmo tempo, mas pode ser menos sensível na deteção de membranas esofágicas em comparação com o estudo de contraste de bário.2, 7
O primeiro passo no tratamento da SPV é esclarecer a causa da deficiência de ferro para excluir hemorragia ativa ou malignidade. A SPV pode ser tratada de maneira fácil e eficaz com suplementação de ferro e dilatação mecânica. Em alguns casos parece ser suficiente a suplementação de ferro. 2,6,7
O prognóstico geralmente é bom, sobretudo quando os doentes respondem favoravelmente à terapêutica com ferro, modificação da dieta e, se necessário, dilatação esofágica. O diagnóstico precoce da SPV é essencial pois é um factor de risco importante para o desenvolvimento de carcinoma de células escamosas da faringe e esofágica. 8,9 Além da utilidade do tratamento, a endoscopia também permite a vigilância de neoplasias potencialmente associadas, como neoplasias pós-cricóide, bucal, faríngea, esofágica ou do estômago, recomendando-se a realização anual.3, 8, 9
DESCRIÇÃO DE CASO
Sexo feminino, 47 anos de idade, natural do Brasil mas residente em Portugal há mais de 20 anos, trabalhadora rural. Tem como antecedente pessoal conhecido fibromioma uterino e menorragia desde há vários anos. Sem antecedentes cirúrgicos ou internamentos por qualquer causa. Não faz medicação habitual. Sem hábitos etanólicos ou toxifílicos.
Recorre ao serviço de urgência por quadro de disfagia alta intermitente, maioritariamente para sólidos, com 2 meses de evolução. Esta condição levou a astenia e perda ponderal involuntária e progressiva, de aproximadamente 5% do peso corporal.
Ao exame físico, ligeiramente emagrecida com índice de massa corporal (IMC) no limite inferior da normalidade, de 19 e peso 48Kg. Orientada e colaborante, pele e mucosas pálidas, mas hidratadas, hemodinamicamente estável (TA 102/56mmHg; FC 62bpm). Sem outras alterações a destacar.
Os exames laboratoriais revelaram hemoglobina de 6,1g/dL, hematócrito 21,1%, com VGM e HGM baixos (72.5 fL e 23.6 pg, respectivamente), assim como ferritina e ferro sérico baixos (4ng/mL e 14ng/dL, respectivamente); valores normais de transferrina 295mg/dL, capacidade total de fixação do ferro 392pg/dL, vitamina B12 333pg/mL e ácido fólico 6,9ng/mL. HbS 22,8%. Função tiroideia sem alterações.
Foi internada para estudo no serviço de Medicina Interna. Durante o internamento foram realizadas duas unidades de concentrado eritrocitário com aumento do valor de hemoglobina de 6,1 para 8,3g/dL, e iniciada correção com ferro endovenoso, segundo fórmula de Ganzoni, recebendo aproximadamente 1200mg em 1-2 tomas por semana. Verificou-se melhoria clínica progressiva, nomeadamente da astenia e disfagia.
Realizou endoscopia digestiva alta (EDA), que mostrou presença de estenose membranosa do esôfago a 15cm da arcada dentária com cerca de 5mm de lúmen (Fig. 1). Durante a realização do procedimento foi feita dilatação esofágica e rompimento da membrana. Biópsia do local com infiltrado inflamatório linfocitário intraepitelial, com raros eosinófilos e sem evidência de displasia. Segundo estes achados foi feito o diagnóstico de Síndrome de Plummer-Vinson. O exame diagnóstico de primeira linha é a Radiografia contrastada do esófago, que neste caso não foi possível realizar.
Após o procedimento houve remissão completa da disfagia.
Após a alta foi referenciada a consulta de Ginecologia para eventual tratamento cirúrgico dos miomas uterinos; consulta de Gastroenterologia, visto a necessidade de seguimentos endoscópicos regulares por predisposição a neoplasia do trato gastrointestinal superior e Imunohemoterapia para manutenção dos tratamentos com ferro endovenoso e avaliação dos níveis de hemoglobina.
DISCUSSÃO
A SPV é uma entidade extremamente rara hoje em dia, mas importa considerá-la no diagnóstico diferencial quando se apresenta um jovem, principalmente do sexo feminino, com anemia e disfagia. Existem outras doenças, mais prevalentes, que cursam também com disfagia intermitente, como os divertículos, distúrbios da motilidade como a acalasia, distúrbios da motilidade espástica e esclerodermia. Importa descartar a esofagite eosinofílica, entidade também presente em adultos jovens, caracterizada por disfagia intermitente, possível presença de anéis esofágicos no estudo endoscópico e acentuado infiltrado eosinofílico intraepitelial no estudo histológico.
Sendo a etiopatogenia da SPV ainda controversa mas com prognóstico excelente, o seu diagnóstico atempado melhora a qualidade de vida do doente e previne possíveis complicações, como a evolução para malignidade, cuja incidência pode chegar a 16% em doentes com SPV.3 Por ser uma condição potencialmente pré-maligna e pela possibilidade de recorrência caso surja novamente défice de ferro, o doente deverá manter seguimento médico periódico.
Com a exposição deste caso pretende-se relembrar esta entidade clínica, incomum, tratável e com impacto significativo na qualidade de vida dos doentes, na sua grande maioria jovens.
Figura I

Endoscopia digestiva alta do anel esofágico
BIBLIOGRAFIA
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4- Goel A, Bakshi SS, Soni N, Chhavi N. Iron deficiency anemia and Plummer-Vinson syndrome: current insights. J Blood Med. 2017;8:175-184. Published 2017 Oct 19. doi:10.2147/JBM.S127801
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