Mulher, 47 anos, leucodérmica, com antecedentes conhecidos de hipertensão arterial e esclerose tuberosa, variante c.481+5G>A no intrão 5 do gene TSC2 em heterozigotia, com 5 critérios major (angiomiolipomas renais, linfangioleiomatose, manchas hipomelanótica, fibromas ungueais e angiofibromas) e 1 minor (pitsnoesmalte dentário), sem seguimento prévio ou medicação habitual. Recorre ao Serviço de Urgência por quadro de dispneia com 6 dias de evolução. À admissão objetivada polipneia, palidez cutânea e dor á palpação do hipocôndrio direito. Dos exames complementares realizados, salienta-se anemia com hemoglobina 3,8 g/dL com hematócrito 11,8%, creatinina sérica 19,9 mg/dL e ureia sérica 363 mg/dL, hipercaliémia 6,0 mmol/L, hiponatrémia 133 mmol/L, acidémia metabólica grave e macrohematúria. O estudo tomográfico confirmou a presença de quistos bilaterais pulmonares em relação com linfangioleiomatose (Fig. 1), rins com múltiplas imagens nodulares de densidade espontaneamente elevada e extensas áreas líquidas subcapsulares com compressão do parênquima renal, sugestivas de hematomas subcapsulares (Fig. 2). Assumiu-se o diagnóstico de choque hemorrágico secundário à rotura de angiomiolipoma. Iniciou técnica contínua de substituição da função renal, suporte aminérgico e transfusional com recuperação da estabilidade hemodinâmica, resolução do quadro de anemia e distúrbios hidroelectrolíticos. Apesar da evolução favorável, manteve-se dependente de hemodiálise.
A Esclerose Tuberosa é uma doença autossómica dominante rara que resulta da mutação nos genes TSC1 ou TSC2 que codificam as proteínas tuberina e hamartina. A mutação impede a formação do complexo tuberina-hemartina responsável pela inibição do mammalian target of rapamycin (mTOR), um dos principais reguladores do crescimento e proliferação celulares. Consequentemente ocorre diferenciação celular anómala em múltiplos órgãos.1,2 O atingimento renal ocorre em cerca de 50-60% dos doentes, sob a forma lesões benignas (angiomiolipomas e quistos renais) e malignas (carcinoma de células renais).3,4 Apesar da benignidade, o aumento das dimensões dos angiomiolipomas e quistos está associado a complicações como doença renal crónica, hipertensão arterial e hemorragia severa. É assim fundamental a monitorização do envolvimento renal, que representa a principal causa de morte.5
Figura I

Quistos bilaterais de dimensões peri-centrimétricas, em relação com linfangioleiomiomatose (seta)
Figura II

Figura 2: Imagens nodulares de densidade espontaneamente elevada – angiomioliomas (seta), extensas áreas líquidas subcapsulares com compressão do parênquima renal - hematomas subcapsulares.
BIBLIOGRAFIA
1. Lorenzo J, Ribeiro C, Belo R, et al.Kidney disease in tuberous sclerosis complex: A single-center experience.Portuguese Journal of Nephrology & Hypertension. 2020;35(3). doi:10.32932/pjnh.2020.10.084
2. Lam HC, Siroky BJ, Henske EP. Renal disease in tuberous sclerosis complex: pathogenesis and therapy.Nature Reviews Nephrology. 2018;14(11):704-16. doi:10.1038/s41581-018-0059-6
3. O’Callaghan FJ, Noakes MJ, Martyn CN, Osborne JP. An epidemiological study of renal pathology in tuberous sclerosis complex.BJU International. 2004;94(6):853-7. doi:10.1111/j.1464-410X.2004.05046.x
4. Ewalt DH, Sheffield E, Sparagana SP, Delgado MR, Roach ES.RENAL LESION GROWTH IN CHILDREN WITH TUBEROUS SCLEROSIS COMPLEX. Vol 0.; 1998.
5. Lam HC, Siroky BJ, Henske EP. Renal disease in tuberous sclerosis complex: pathogenesis and therapy.Nature Reviews Nephrology.2018;14(11):704-16. doi:10.1038/s41581-018-0059-6