Uma doente de 71 anos com antecedentes de hipertensão arterial, meningioma e histerectomia por carcinoma uterino foi admitida por vómitos, dor abdominal difusa e obstipação com 7 dias de evolução. Encontrava-se consciente, taquipneica, com pressão arterial de 64/38 mmHg, frequência cardíaca de 110 batimentos/minuto. O ventre estava distendido, timpanizado, com ausência de ruídos hidroaéreos e presença de sinal de Blumberg nos quadrantes inferiores. Analiticamente salientamos 16.000 leucócitos/μl (neutrofilia de 90%), creatinina 1,6 mg/dl, proteína C reactiva 259 mg/l, lactato 8,0 mmol/l. A radiografia de abdómen mostrou sinais de obstrução intestinal, pneumobilia e imagem radioopaca de localização pélvica (Fig. 1) sugerindo íleus biliar (IB). Estes achados foram confirmados por tomografia computorizada (Fig. 2). Após ressuscitação volémica e estabilização cardiovascular com noradrenalina foi submetida a laparotomia. Comprovou-se perfuração ileal com peritonite purulenta e procedeu-se a ressecção íleocecal e anastomose.
O IB deve-se a oclusão intestinal mecânica por cálculo biliar. Uma fístula bilioentérica em contexto de colecistite aguda recorrente ou crónica permite a migração do cálculo que impacta em 50 a 60% dos casos na válvula íleocecal. O IB complica 0,5% dos casos de litíase biliar. Causa 1-4% das oclusões intestinais mecânicas.
1 A identificação da tríade de Rigler (pneumobilia, imagem radioopaca ovalar, oclusão intestinal) na radiografia de abdómen sugere o diagnóstico mas apenas surge completa em 17-37% dos casos. Como apenas 10% dos cálculos se tornam radioopacos o diagnóstico pode ser subestimado. Assim, a tomografia computorizada aumenta a sensibilidade diagnóstica e permite a identificação de complicações associadas.
2 A cirurgia é o tratamento de eleição. Associa-se a 5-7% de mortalidade que se eleva no caso de perfuração, abcesso, choque séptico, idosos ou comorbilidade múltipla.
3 A remoção via endoscópica pode ser considerada na oclusão não complicada a nível gástrico (síndrome de Bouveret) ou do cólon sigmóide.
4,5Figura I

Radiografia simples de abdómen documentando tríade de Rigler: pneumobilia assinalada com seta, imagem ovalar assinalada com asterisco, sinais de oclusão com níveis hidroaéreos em ansas intestinais e distensão da câmara gástrica.
Figura II

Tomografia computorizada de abdómen e pélvis documentando imagem compatível com cálculo na porção terminal do íleo.
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