Doente do sexo masculino, 42 anos, com diagnósticos prévios de úlcera gástrica e acidente isquémico transitório, sem alergias conhecidas. Observado no serviço de urgência por exantema súbito dos membros inferiores, caracterizado por lesões cutâneas eritematosas, maculares, avermelhadas, confluentes e com relevo palpável (Fig.1), sem febre ou outros sintomas associados. Negava contexto epidemiológico e consumo de substâncias. Internado por suspeita de vasculite.
Laboratorialmente destacava-se macrocitose de 102fL, velocidade de sedimentação 71mm, D-dímeros 3,35ug/mL, fibrinogénio 678mg/dL, plaquetas 256x109/L, PCR 4,71mg/dL, LDH 359U/L. Serologia para Chlamydia pneumoniae com IgA e IgG positivas. Restantes serologias bacterianas, virais e de zoonoses negativas. Perfil de autoimunidade incluindo SAAF negativo. Sedimento urinário e creatinina normais.
Verificada progressão de exantema para os membros superiores e abdómen, quadro de obstipação, dor abdominal difusa e gonalgia bilateral simétrica, sem outro envolvimento articular. Apresentava elevação de parâmetros inflamatórios de novo.
Iniciou-se corticoterapia e doxiciclina e procedeu-se a biópsia cutânea cujo resultado era compatível com vasculite leucocitoclástica, com escassos eosinófilos e imunofluorescência negativa.
Realizada tomografia computorizada tóraco-abdómino-pélvica que salientava espessamento parietal segmentar e distensão do jejuno proximal, com hiperdensidade espontânea da mucosa e áreas não captantes de contraste (Fig.2), enquadrando-se clinicamente no contexto de vasculite. Sem evidência imagiológica de neoplasia.
Realizada endoscopia digestiva alta que mostrou, em D3, áreas de mucosa com pontilhados esbranquiçados, cuja biópsia destacava congestão vascular, edema da lâmina própria e algumas linfangiectasias.
Assumindo-se vasculite com envolvimento cutâneo e intestinal, manteve-se terapêutica iniciada, verificando-se desaparecimento de lesões cutâneas após sete dias e restabelecimento de trânsito intestinal. O doente teve alta sob esquema de corticoterapia.
As vasculites são causadas por inflamação de vasos sanguíneos1. Embora a clínica abdominal seja inespecífica e a endoscopia não possa comprovar o processo subjacente, os sintomas extraintestinais de vasculite devem ser cuidadosamente observados para o diagnóstico de vasculite sistémica, com potencial envolvimento das artérias intestinais2.
Figura I

Lesões maculares confluentes sugestivas de vasculite.
Figura II

Espessamento parietal segmentar e distensão do jejuno proximal (seta branca)
BIBLIOGRAFIA
1.Fabbri P, Bonciani D, Antiga E, Caproni M. Classification and clinical diagnosis of cutaneous vasculitides. G Ital Dermatol Venereol. 2015 Apr;150(2):169-81. Epub 2015 Mar 17. PMID: 25776142.
2.Gaubitz M, Domschke W. Intestinale Vaskulitiden--eine diagnostisch-therapeutische Herausforderung [Intestinal vasculitis--a diagnostic-therapeutic challenge]. Z Gastroenterol. 2000 Feb;38(2):181-92. German. doi: 10.1055/s-2000-14859. PMID: 10721176.